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A Legitimidade do Sócio Administrador da Empresa devedora, sem passar pela despersonalização da pessoa jurídica – Um Caso Concreto

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Imagem de  A Legitimidade do Sócio Administrador da Empresa devedora, sem passar pela despersonalização da pessoa jurídica – Um Caso Concreto 4 de jan. de 2023

O assunto, muito embora discutido a exaustão anos atrás, é deveras tranquilo, face o disposto no artigo 28 da Lei 8.078/90, artigo 50 do Código Civil de 2002 e artigo 133 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015, entre outros dispositivos correlatos.

Ou seja, quando há possível conduta de fraude à lei, violação ao contrato social, confusão patrimonial ou desvio de finalidade da empresa, poderá o credor, através de uma ação de despersonalização da pessoa jurídica, alcançar os sócios malfeitores.

Só que há uma situação, em especial, onde o credor não precisa de tal expediente para ingressar com ação regressiva contra a pessoa jurídica e o sócio administrador, em litisconsórcio.

Explico.

Vamos supor que uma empresa de combustível A sofra um bloqueio judicial em sua conta bancária de uma empresa B, por dívida de compra e venda de combustível da empresa C.

A empresa de combustível C, localizada no endereço x, comprou o combustível da empresa B, não pagou e encerrou suas atividades, vindo o sócio administrador da empresa C, a criar a empresa de combustível A, no mesmo endereço comercial x, mantendo-se o mesmo sócio administrador.

Ao longo dos anos, no decorrer de um processo de execução da empresa B contra a empresa C, o sócio administrador da empresa A vendeu a empresa A para terceiro, sem registrar nos livros contábeis tal dívida com a empresa C, e 2 (dois) anos depois sobreveio o bloqueio judicial em cima da empresa A, de uma execução que a empresa B cobrava da empresa C e depois da empresa A, por sucessão empresarial.

Pois bem, após a empresa A pagar a dívida da empresa C para a empresa B, a empresa A pode ingressar com ação regressiva de indenização contra a empresa C e o ex-sócio administrador da empresa A, em litisconsórcio passivo, sem necessidade de fazer uma ação incidente de despersonalização de pessoa jurídica.

A priori, somente após um eventual pedido de desconsideração da pessoa jurídica da empresa C, quem sabe o antigo sócio administrador da empresa C poderia responder os termos desta ação.

Não obstante, a causa de pedir remota e próxima em relação ao antigo proprietário das cotas da empresa A e C, encontram-se embasados nos seguintes fatos:

  1. citação na execução da empresa C na pessoa do antigo sócio administrador, demonstrando ser o representante da empresa C e ter total conhecimento da dívida
  2. outorga de procuração da empresa C e da empresa A na execução originária da empresa B, demonstrando total conhecimento da dívida da empresa C e sucessão da empresa A;
  3. ausência de registro nos livros contábeis da empresa A acerca da dívida existente perante a empresa B, por sucessão da empresa C, e
  4. ausência de informação ao comprador e adquirente das cotas societárias da empresa A, o que faria o valor da empresa A sofrer redução e afetação no valor das cotas do antigo sócio administrador.

Percebam que o ato ilícito omissivo do antigo sócio administrador, (ANTIGO REPRESENTANTE LEGAL DA EMPRESA C E ANTIGO SÓCIO ADMINISTRADOR DA EMPRESA A) fez com que a empresa A arcasse com dívida de terceiro (no caso a empresa C), quando na verdade, essa dívida poderia ter sido arcada no momento da alienação das cotas entre o antigo sócio administrador e o atual sócio administrador da empresa A, por causa do valor que seria reduzido da empresa em si.

Simplificando, o antigo sócio administrador das empresas A e C, mesmo sabendo da dívida da empresa C e da empresa A junto a empresa B (face a sucessão empresarial), vendeu a empresa A com valor acima do mercado, se locupletando indevidamente em detrimento da pessoa jurídica A, porque deveria ser reduzido das cotas societárias, os exatos valores despendidos pela empresa A em prol da empresa B.

Esse é o ponto! O antigo sócio administrador das empresas C e A usou as mesmas para se locupletar indevidamente, no momento da venda de suas cotas, não registrando a sucessão empresarial e a dívida existente, o que reduziria o valor da empresa A e, consequentemente, o valor de suas cotas sociais!

Se o antigo sócio administrador, pessoa física, tivesse registrado nos livros contábeis da empresa que havia essa dívida junto a empresa B, não ocorreria prejuízo efetivo da empresa A, pois suas cotas seriam reduzidas e ele não receberia por tanto, já que era sócio administrador da empresa A e também representante legal da empresa sucedida C.

O antigo sócio administrador (pessoa física), ao omitir tal informação (sucessão e dívida nos livros contábeis da empresa A), agiu ilicitamente em conluio com a pessoa jurídica C (que o próprio ex-sócio administrador representava), gerando prejuízo financeiro da própria empresa A (que o ex-sócio era administrador), tirando proveito financeiro próprio (venda da empresa e recebimento pelas suas cotas societárias), merecendo a devida responsabilização civil solidária.

Vejamos o disposto nos artigos 186, 884 e 927, todos do Código Civil que discorrem:

“Art. 186) Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

Frise-se que, o ex-sócio administrador omitiu a existência da sucessão empresarial e da dívida para o novo sócio administrador, se locupletando indevidamente ao não querer arcar com tal débito, fazendo com que a empresa A pagasse uma dívida de terceiro, quando deveria haver o decote de tais valores no exato momento da alienação de suas cotas ou redução pura e simples das cotas.

A propósito, os artigos 1.001, 1.004, 1.011, 1.016 e 1.020 do Código Civil ensinam que:

“Art. 1.001. As obrigações dos sócios começam imediatamente com o contrato, se este não fixar outra data, e terminam quando, liquidada a sociedade, se extinguirem as responsabilidades sociais.

Art. 1.004. Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da mora.

Art. 1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios.

Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.

Art. 1.020. Os administradores são obrigados a prestar aos sócios contas justificadas de sua administração, e apresentar-lhes o inventário anualmente, bem como o balanço patrimonial e o de resultado econômico.”

A culpa do ex-sócio das empresas C e A está no simples fato de que OMITIU INFORMAÇÃO ESSENCIAL PERANTE O NOVO SÓCIO ADMINISTRADOR E NÃO EFETUOU OS DEVIDOS REGISTROS DA SUCESSÃO E DÍVIDA NOS LIVROS CONTÁBEIS DA EMPRESA A, SUPERFATURANDO SUAS PRÓPRIAS COTAS SOCIETÁRIAS NO MOMENTO DA ALIENAÇÃO, EM PREJUÍZO DA PRÓPRIA SOCIEDADE A (PESSOA JURÍDICA).

Nesse passo, a jogada do ex-sócio (ANTIGO REPRESENTANTE DAS EMPRESAS C e A) foi justamente omitir informação essencial (divida) dos livros contábeis, fazendo com que a empresa venha arcar com débitos futuros de terceiro, mas suas cotas societárias não sejam afetadas com a venda.

Melhor dizendo, o ex-sócio administrador, através de seu ato ilícito omissivo, usou a empresa A para superfaturar suas cotas societárias, se locupletando indevidamente. 

Ou seja, ele usa as empresas para obter vantagem indevida para si próprio.

Essa é a causa de pedir remota (ato ilícito omissivo – falta de informação clara, ausência de registro nos livros contábeis, violação a cláusula contratual e obrigação solidária) e próxima (locupletamento indevido em detrimento da empresa, gerando o devedor de indenizar) em relação também ao ex-sócio administrador (pessoa física). 

Já a empresa C deixou de pagar um valor a terceiro, a qual a empresa A acabou arcando indevidamente.

Agora ambos (pessoa jurídica e física) agiram em conluio e ilicitamente, porque:

  • a pessoa jurídica C não pagou uma conta, o que redundou na obrigação da empresa A pagar dívida que não realizou e não usufruiu, e

  • a pessoa física (ex-sócio das empresas A e C) tinha total conhecimento da dívida, foi representante legal da empresa C, não registrou a sucessão e a dívida nos livros contábeis da empresa A, quando tinha a obrigação legal de fazê-lo (era sócio administrador).

Assim sendo, a prática ilícita de um em não pagar uma conta e do outro de não registrar nos livros contábeis a existência da sucessão e da dívida, fez como que somente a empresa A arcasse com débito que não fez e não usufruiu, gerando o enriquecimento sem causa da empresa C que não pagou pelo combustível e enriquecimento sem causa do antigo sócio administrador (pessoa física), o qual usufruiu das empresas sem valor de afetação diminuída em suas cotas.

Ademais, esta ação é uma ação de reparação de danos regressiva da própria empresa A contra o seu ex-sócio administrador, pela ausência de cumprimento de suas obrigações legais, o que gerou danos somente à empresa A, pois se estivesse registrado a sucessão e o débito nos livros contábeis (como era sua obrigação legal), no momento da venda de suas cotas, certamente o novo comprador reduzir o valor da compra.

Sob esta ótica de raciocínio, a legitimidade passiva do ex-sócio (pessoa física) em ação de indenização merece ser acolhida em litisconsórcio, sem passar pela desconsideração da pessoa jurídica.

Portanto, mesmo que não haja dúvidas acerca da matéria em voga, vale à pena analisar a matéria técnica jurídica à luz do caso concreto. 

Éderson Ribas Basso e Silva, é advogado na cidade de Umuarama-PR.